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O que é reembolso assistido?

O chamado “reembolso assistido” ou “reembolso sem desembolso” se caracteriza quando uma clínica ou consultório médico solicita login e senha do consumidor para solicitar o estorno em seu nome.

Apesar de serem dados intransferíveis, muitos consumidores acabam fornecendo estes dados, permitindo que terceiro solicite o reembolso em seu nome, ainda que não tenha pago nenhum valor pela consulta, exame ou procedimento.  

Nesse sentido, muitas vezes clínicas que praticam essa modalidade de contratação prometem CUSTO ZERO, como exposto no artigo Doutores do Emagrecimento – Propaganda Enganosa.

reembolso assistido é ilegal

Por que o reembolso assistido é ilegal?

O chamado “reembolso assistido” desrespeita o disposto no artigo 12, VI, da Lei 9.656/1998, uma vez que não há previsão legal desta modalidade de reembolso, sem pagamento de valores pelo Segurado/Consumidor, como se pode observar da redação do artigo:

Art. 12. São facultadas a oferta, a contratação e a vigência dos produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei, nas segmentações previstas nos incisos I a IV deste artigo, respeitadas as respectivas amplitudes de cobertura definidas no plano-referência de que trata o art. 10, segundo as seguintes exigências mínimas: (…) VI – reembolso, em todos os tipos de produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei, nos limites das obrigações contratuais, das despesas efetuadas pelo beneficiário com assistência à saúde, em casos de urgência ou emergência, quando não for possível a utilização dos serviços próprios, contratados, credenciados ou referenciados pelas operadoras, de acordo com a relação de preços de serviços médicos e hospitalares praticados pelo respectivo produto, pagáveis no prazo máximo de trinta dias após a entrega da documentação adequada.

artigo 12, VI, da Lei 9.656/1998

Inclusive, em entendimento recente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o Tribunal confirmou a ilegalidade do reembolso sem desembolso, reconhecendo a nulidade do negócio jurídico celebrado, por constituir negócio jurídico simulado:

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. INEXISTÊNCIA. CESSÃO DE DIREITO AO REEMBOLSO DAS DESPESAS MÉDICAS REALIZADAS EM CLÍNICA E LABORATÓRIO NÃO CREDENCIADOS À OPERADORA DO PLANO DE SAÚDE. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE DESEMBOLSO PRÉVIO PELO SEGURADO. NEGÓCIO JURÍDICO NULO DE PLENO DIREITO, EM RAZÃO DA AUSÊNCIA DE OBJETO. NÃO HÁ DIREITO AO REEMBOLSO SEM O PRÉVIO DESEMBOLSO DOS VALORES. EXEGESE DO ART. 12, INCISO VI, DA LEI N. 9.656/1998. PROCEDIMENTO SEM RESPALDO EM LEI OU EM RESOLUÇÃO DA AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE – ANS. POSSIBILIDADE DE COMETIMENTO DE FRAUDES. ACÓRDÃO REFORMADO. RESTABELECIMENTO DA SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA DA AÇÃO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. Cinge-se a controvérsia a definir se houve negativa de prestação jurisdicional e se é possível a cessão de direitos ao reembolso das despesas médico-hospitalares em favor de clínica particular – não conveniada à respectiva operadora de plano de saúde – que prestou atendimento aos segurados sem exigir qualquer pagamento. (…) 3. Nos termos do que dispõe o art. 12, inciso VI, da Lei n. 9.656/1998, a operadora de plano de saúde é obrigada a proceder ao reembolso nos casos de i) urgência ou emergência ou ii) quando não for possível a utilização dos serviços próprios, contratados, credenciados ou referenciados pelas operadoras, observando-se os limites do contrato e de acordo com as despesas efetuadas pelo beneficiário. 4. O direito ao reembolso depende, por pressuposto lógico, que o beneficiário do plano de saúde tenha, efetivamente, desembolsado previamente os valores com a assistência à saúde, sendo imprescindível, ainda, o preenchimento dos demais requisitos legais previstos na Lei dos Planos de Saúde. Só a partir daí é que haverá a aquisição do direito pelo segurado ao reembolso das despesas médicas realizadas. Antes disso, haverá mera expectativa de direito. 5. Dessa forma, se o usuário do plano não despendeu nenhum valor a título de despesas médicas, mostra-se incabível a transferência do direito ao reembolso, visto que, na realidade, esse direito sequer existia. Logo, o negócio jurídico firmado entre as recorridas (clínica e laboratório) e os segurados da recorrente – cessão de direito ao reembolso sem prévio desembolso – operou-se sem objeto, o que o torna nulo de pleno direito. 6. Sem lei específica ou regulamentação expressa da Agência Nacional de Saúde – ANS, não há como permitir que clínicas e laboratórios não credenciados à operadora de plano de saúde criem uma nova forma de reembolso (“reembolso assistido ou auxiliado”) em completo desvirtuamento da própria lógica do sistema preconizado na Lei n. 9.656/1998, dando margem, inclusive, a situações de falta de controle na verificação da adequação e valores das consultas, procedimentos e exames solicitados, o que poderia prejudicar todo o sistema atuarial do seguro e, em último caso, os próprios segurados. 7. Recurso especial provido.”

(REsp 1959929 – SP, STJ, 3ª Turma, Rel: Ministro Marco Aurélio Bellizze, Publicação: 30/11/2023).

No mesmo sentido, o Tribunal de Justiça de São Paulo já posicionou inúmeras vezes sobre a ilegalidade do reembolso sem desembolso, sem o desembolso do segurado/consumidor, como se observa das decisões abaixo:

Embargos declaratórios fundados em contradições e omissões – Decisão que reformou a sentença, procedendo integralmente os pedidos autorais e improcedendo os reconvencionais – “reembolso assistido” ou “reembolso inteligente” não deve ser tolerado – Abusividade na conduta das embargantes – Decisão devidamente fundamentada, sem nenhum vício material – Rejeição dos embargos. 

(TJSP; EDs n.º 1144247-82.2022.8.26.0100; Rel. (a): Carlos Castilho Aguiar França; 4ª Câmara de Direito Privado; J.: 26/03/2024).

Ação de cobrança – Contrato de prestação de serviços médicos mediante cessão do direito de reembolso da contratante que possui seguro-saúde – Revelia – Improcedência – Recurso da autora – A autora e a ré celebraram negócio jurídico cujo objeto é o direito de reembolso da segurada em face da seguradora, terceira alheia à negociação – Invalidade do negócio – Cessão de direito inexistente – Sem desembolso da segurada não há direito a reembolso em face da seguradora– Prestação de serviços médicos que não se enquadra nas hipóteses que obrigam a seguradora a reembolsar – Inciso VI do art. 12 da Lei nº 9.565/98 – Negócio que interfere diretamente nos riscos do negócio da seguradora – Objeto do negócio não é possível e, por isso, a pretensão não pode ser acolhida – Reembolso facilitado ou assistido não é admitido pela jurisprudência – Precedentes do Tribunal de Justiça de São Paulo – Precedente do Superior Tribunal de Justiça – Sentença de improcedência mantida – Recurso desprovido. 

(TJSP; AC 1011874-38.2023.8.26.0008; Rel. (a): Mário Daccache; 29ª Câmara de Direito Privado; J.: 27/03/2024)

Digno de nota que a utilização de senha do consumidor para realização de pedido de reembolso também constitui negócio simulado. E nulo de pleno direito, nos termos do art. 167 do Código Civil.

Art. 167/CC. É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma. § 1 o Haverá simulação nos negócios jurídicos quando: I – aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas daquelas às quais realmente se conferem, ou transmitem. II – Contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira.

Art. 167/CC

Conclusão

Portanto, o reembolso assistido, caracterizado pela transferência de login e senha do convênio, é ilegal, tornando o contrato celebrado nulo de pleno direito. O que caracteriza negócio jurídico simulado, conforme dispõe o art. 167 do Código Civil e da jurisprudência majoritária de nossos E. Tribunais Regionais e do C. Superior Tribunal de Justiça.  

DR. BRUNO PETILLO DE CASTRO BOSCATTI

OAB/SP 472.046

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