Contexto
O Fashion Law – Direito da Moda – ainda pouco explorado entre os operadores do Direito brasileiros, consiste no ramo do Direito que aborda questões jurídicas sobre a indústria da moda, englobando a idealização do produto e todos os processos intermediários até a chegada ao consumidor. Nesse sentido, é uma esfera extremamente multidisciplinar e diversificada, abrangendo as mais diversas áreas do Direito: penal, civil, empresarial, do trabalho, entre muitas outras. Muito por conta do constante crescimento da indústria da moda, o fashion law tem apresentado grande expansão dentro do Direito, em razão da necessidade de solução dos diversos litígios que surgem de tal indústria.
Atualmente, o tema de maior relevância, dentro do Direito da Moda, consiste na propriedade intelectual e proteção às criações dos autores, em decorrência dos diversos casos de plágio de obras da indústria da moda. Nesse sentido, destaca-se a conexão existente entre as áreas do Fashion Law e do Direito da Arte. Entende-se que, em decorrência de ambas as áreas consistirem em formas de expressão artística, a proteção à criação deve ser garantida às duas searas (2023, p. 1331-1332)[1].
Fashion Law: Caso Louboutin
Contexto
Entre os casos de plágio na indústria da moda que foram levados aos tribunais, alguns ganharam notoriedade. A título de exemplo, no ano de 2011, o designer francês Christian Louboutin, internacionalmente reconhecido pelos calçados de solas vermelhas, ajuizou ação frente à empresa brasileira Carmen Steffens, por ter utilizado solas vermelhas em seus calçados[2].
Solado vermelho de Louboutin[3]
Além disso, no ano de 2008, tais solados vermelhos foram registrados como marca pela Louboutin e, mais tarde, em 2018, o Tribunal de Justiça da União Europeia reconheceu tal registro. Na ocasião, foi fixado que o solado vermelho é de exclusividade de Christian Louboutin[4].
Fashion Law: Jurisprudência Loubotin
Além da Carmen Steffens, outras empresas já sofreram processos pela utilização de tais solados. Como resultado, o Tribunal de Justiça de São Paulo entendeu que o uso do solado vermelho viola a propriedade intelectual e o trade dress de Louboutin.
AGRAVO DE INSTRUMENTO – Ação inibitória – Decisão que deferiu a tutela de urgência requerida – Insurgência da requerida. Pressupostos do artigo 300 do Código de Processo Civil preenchidos – Partes que haviam celebrado acordo pelo qual a agravante se comprometeu a não violar os direitos de propriedade intelectual de CHRISTIAN LOUBOUTIN – Comercialização de sapatos com o solado vermelho e design semelhante – Indícios de violação ao acordo celebrado e ao trade dress – Precedentes do Superior Tribunal de Justiça e desta Câmara Reservada. Decisão mantida – Recurso desprovido. (TJSP; AI 2289673-54.2021.8.26.0000; Rel.: Jane Franco Martins; Foro Central Cível – 1ª VARA EMPRESARIAL E CONFLITOS DE ARBITRAGEM; DJ: 22/03/2023).
Nesse sentido, cumpre destacar que a decisão do Tribunal de São Paulo foi em caráter liminar, com concessão de tutela de urgência. Em outras palavras, o Tribunal reconheceu indícios fortes de probabilidade do direito e perigo na demora, concedendo a tutela.
Trade dress
Atualmente, urge a necessidade de tratar do chamado trade dress, termo utilizado para se referir à identidade visual de um produto, sendo justamente esse o objeto de proteção da propriedade intelectual. Conforme entendimento do doutrinador José Carlos Tinoco Soares:
“Trade dress” é a imagem total do negócio; num sentido bem geral é o “look and feel”, isto é, o ver e o sentir do negócio; é o meio pelo qual o produto é apresentado ao mercado; é o identificador da origem […] o “trade dress” compreende uma única seleção de elementos que imediatamente estabelecem que o produto se distancia dos outros por isso que se torna inconfundível (2004, p. 213)[5].
No Brasil, apesar de não haver regulamentação específica ao ramo da moda, visando a proteção dos direitos autorais atinentes à moda, é possível utilizar a legislação existente que disciplina os direitos autorais e a propriedade industrial, respectivamente: Leis nº 9610/98 e 9229/96.
Fashion Law: Jurisprudência sobre plágio
Além disso, como forma de proteção da propriedade intelectual e industrial, nossos respeitáveis tribunais possuem entendimento consolidado quanto à necessidade de indenização por dano moral. Principalmente quando ocorre violação de direitos autorais na indústria da moda, como foi o caso de Louboutin. Vejamos:
APELAÇÃO CÍVEL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. VIOLAÇÃO DE DIREITOS AUTORAIS. “FASHION LAW” (DIREITO DA MODA). ALEGAÇÃO DE PLÁGIO EM CRIAÇÕES VESTUARIAS. PROTEÇÃO. NECESSIDADE. LEI Nº 9.610/98. REQUISITOS DE ORIGINALIDADE E INOVAÇÃO. ÔNUS DA PROVA. SISTEMA DO LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO. DANOS MORAIS. DESNECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DO PREJUÍZO. DANO IN RE IPSA. SENTENÇA MANTIDA. I. A proteção dos direitos de autor, positivada por meio da Lei nº 9.610/98 ( LDA), está estritamente ligada ao caráter subjetivo e personalíssimo das criações do espírito, materializados pelas noções de inovação/criatividade e originalidade, conforme cláusula geral protetiva, referente a obras intelectuais que sejam “criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte”. II. Nesse norte, hialina é a vedação da Lei nº 9.610/98 de reprodução de obra sem anuência ou transferência expressa dos direitos pelo titular da mesma (artigos 28 e 29), sob pena de configurar plágio, implicando em consequências civis e criminais. III. As criações, ou seja, a propriedade intelectual do mundo da moda, certamente estão protegidas pelos direitos do autor, na medida em que as criações refletem a arte de seus profissionais criadores, bem como que a proteção torna-se imprescindível visto que a exclusividade, na maioria das vezes, é de caráter concorrencial. IV. O plágio, em que pese a ausência de definição legal, vem sendo entendido pela doutrina e jurisprudência, como “o ato de apresentar como de sua autoria uma obra elaborada por outra pessoa”, sendo “considerada como indevida a reprodução de obra que seja substancialmente semelhante a outra preexistente“ ( REsp 1645574/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, 3ª Turma, julgado em 14/02/2017, DJe 16/02/2017). V. O ônus da prova incumbe ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito, conforme o disposto no art. 373, I, do Código de Processo Civil. Neste sentido, tendo o requerente em sede de ação indenizatória desincumbindo do seu ônus probatório, notadamente em virtude de documentos comprobatórios, a procedência do pedido inicial é medida que se impõe. VI. O Código de Processo Civil de 2015 ratificando o entendimento do pretérito CPC de 1973 adotou referido sistema, da livre convicção, mas de maneira mais atualizada compreensão sobre a atividade jurisdicional, referendou um novo sistema da persuasão racional em que o convencimento do juiz precisa ser motivado. VII. Em atenção à jurisprudência do Excelso Superior Tribunal de Justiça, a simples violação do direito de propriedade autoral implica o dever de ressarcir o dano, ou seja, prescinde de comprovação, pois se consubstancia na própria violação do direito. VIII. Tendo o autor se desincumbido do ônus da prova do fato constitutivo de seu direito ao, na forma do art. 373, I, do CPC/15, e a parte requerida não se desincumbido do ônus que lhe cabia, a procedência do pedido é medida que se impõe. (TJ-MG – AC: 10000210017380001 MG, Rel.: Luiz Artur Hilário, DJ: 10/11/2021, 9ª CÂMARA CÍVEL).
Conclusão
Em suma, apesar do Fashion Law não ter regulamentação específica no ordenamento jurídico brasileiro, está amparado pela legislação vigente que disciplina a propriedade industrial e os direitos autorais. Assim, a violação ao direito autoral dentro do ramo da moda gera dano moral, sem prejuízo de perdas e danos, conforme entendimento consolidado pelos respeitáveis tribunais brasileiros.
DR. BRUNO PETILLO DE CASTRO BOSCATTI
OAB/SP 472.046
ACAD. GIOVANNA GUIMARÃES
Em caso de dúvidas, entre em contato: WhatsApp (11) 99926-0129
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[1] https://www.cidp.pt/revistas/rjlb/2023/6/2023_06_1329_1367.pdf
[2] https://oglobo.globo.com/saude/christian-louboutin-processa-marca-brasileira-de-sapatos-carmen-steffens-por-copiar-solas-vermelhas-2796570
[3] https://us.christianlouboutin.com/us_en/sporty-kate-black-lin-black-1240544b439.html
[4] https://www.linkedin.com/pulse/tribunal-europeu-reconhece-o-registro-do-solado-da-como-verga%C3%A7a/ e https://ipcuria.eu/alltext.php?reference=C-163/16
[5] SOARES, José Carlos Tinoco. Concorrência Desleal Vs. Trade Dress ou Conjunto-Imagem. São Paulo: Edição Tinoco Soares, 2004.