Não há hierarquia nem subordinação entre advogados, magistrados e membros do Ministério Público, devendo todos tratar-se com consideração e respeito recíprocos, conforme determina o Art. 6º do Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Todavia, há casos em que o juiz aplica multa pessoal ao advogado, surgindo dúvidas sobre a legalidade do ato.
Todavia, na prática forense nos deparamos com penalidades fixadas pelo magistrado ao advogado. Nesse sentido, até o advento da Lei nº 14.752 de 2023, que alterou o artigo 265 do Código de Processo Penal, havia previsão legal para a fixação de multa de “10 (dez) a 100 (cem) salários mínimos“ para defensores que abandonasse o processo sem “motivo imperioso”.
Ou seja, se é lícito ao juiz aplicar multa ao advogado, não há como concluir pela ausência de hierarquia entre juiz e advogado.
Felizmente, esse cenário mudou
Na manhã de 10 de março de 2022, foi aprovado o Projeto de Lei n° 4.727/2020[1] para alteração do artigo 265 do Código de Processo Penal. O qual visou a extinção da multa por abandono do processo aplicada sumariamente pelo juiz em desfavor do advogado. Assim, havendo abandono de processo pelo advogado, a Ordem dos Advogados do Brasil seja acionada para apurar eventual a falta cometida. O que tem por intuito resguardar a ausência de hierarquia entre advogado e juiz.
Além disso, o referido Projeto de Lei buscou proteger o direito à defesa do advogado, que, recebendo uma penalidade diretamente do juiz, é condenado sem que tenha ocorrido o devido processo legal[2], constitucionalmente previsto no artigo 5°, inciso LIV, CF.
Alteração legislativa: multa pessoal ao advogado
Com a aprovação do projeto de lei, foi publicada em 13 de dezembro de 2023 e já está em vigor a Lei n° 14.752/2023[3], que, de fato, extingue a multa aplicada em casos de abandono de processo penal pelo advogado, alterando a redação do art. 265 do Código de Processo Penal e do art. 71 do Código de Processo Penal Militar.
Com isso, eventual falha de conduta deverá ser objeto de avaliação pela OAB, que, conforme o Estatuto da Advocacia, é o órgão responsável pela apuração da conduta de advogados[4].
É igualmente importante ressaltar que a vedação das multas aplicadas pelo juiz ao advogado também é válida para os que exercem a advocacia pública. Tal questão foi tópico de discussão no STF, em caso de aplicação de multa por ato atentatório à dignidade da justiça a advogado público, em razão de suposto descumprimento de prazo.
Antiga redação do Código de Processo Civil de 1973
No ano de 2004, o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 2.652[5] resultou na alteração de interpretação do parágrafo único do artigo 14, do Código de Processo Civil de 1973, para incluir todos os advogados na isenção da multa, inclusive aqueles ligados a entidades públicas:
Art. 14. São deveres das partes e de todos aqueles que de qualquer forma participam do processo: V – cumprir com exatidão os provimentos mandamentais e não criar embaraços à efetivação de provimentos judiciais, de natureza antecipatória ou final.
Parágrafo único. Ressalvados os advogados que se sujeitam exclusivamente aos estatutos da OAB, a violação do disposto no inciso V deste artigo constitui ato atentatório ao exercício da jurisdição, podendo o juiz, sem prejuízo das sanções criminais, civis e processuais cabíveis, aplicar ao responsável multa em montante a ser fixado de acordo com a gravidade da conduta e não superior a vinte por cento do valor da causa; não sendo paga no prazo estabelecido, contado do trânsito em julgado da decisão final da causa, a multa será inscrita sempre como dívida ativa da União ou do Estado.
Nova redação do Código de Processo Civil de 2015
Com a entrada em vigor do novo Código de Processo Civil em 2015, o parágrafo 6°, do art. 77, do CPC/2015, consolidou o entendimento que resultou da referida ADI:
Art. 77. § 6º Aos advogados públicos ou privados e aos membros da Defensoria Pública e do Ministério Público não se aplica o disposto nos §§ 2º a 5º, devendo eventual responsabilidade disciplinar ser apurada pelo respectivo órgão de classe ou corregedoria, ao qual o juiz oficiará.
Nesse sentido, em caso recente o Ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso argumentou pela anulação de decisão que aplicou multa pessoal a procurador municipal. O juiz teria fixado a multa em razão do descumprimento de prazo para a adição de documentos a um processo[6].
Conclusão sobre a multa pessoal ao advogado
Portanto, atualmente, a aplicação de multas pessoais para advogados atuantes tanto na esfera pública quanto na privada, por parte do magistrado, viola a legislação sobre o tema, bem como contradiz a ausência de hierarquia entre juiz e advogado e o direito de defesa do advogado.
DR. BRUNO PETILLO DE CASTRO BOSCATTI
OAB/SP 472.046
ACAD. GIOVANNA GUIMARÃES
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[1] https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/144948?_gl=1*u942c1*_ga*MTg4MTgzOTUzNC4xNzA3NDQxNzQy*_ga_CW3ZH25XMK*MTcwNzUwMDI3OC4yLjEuMTcwNzUwMDQ3MC4wLjAuMA..
[2] https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2022/03/10/senado-aprova-extincao-de-multa-a-advogado-que-abandona-processo-penal
[3] https://legislacao.presidencia.gov.br/atos/?tipo=LEI&numero=14752&ano=2023&ato=4a4QTVE90MZpWT0e7
[4] https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2023/12/13/entra-em-vigor-lei-que-extingue-multa-para-advogado-que-abandona-processo
[5] https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/stf/771044
[6] https://www.oab.org.br/noticia/61314/stf-confirma-que-nao-cabe-aplicar-multa-pessoal-a-advogados-publicos-por-descumprimento-de-prazo