Contexto
Em casos de suspeita de furto de energia, por meio do chamado “gato”, é comum que as companhias de energia elétrica (Enel, Alupar, AES, Celesc, Cemig, CPFL, Copel, Eletrobras, Eneva, Energisa, Engie, Equatorial, Light, Neoenergia, Ômega, Taesa), cobrem dos consumidores valores referentes à “recuperação de energia”.
Todavia, na maior parte dos casos a cobrança de recuperação de energia é indevida.
Recuperação de Energia: Jurisprudência
Relatório de avaliação técnica
Para cobrança de tarifa referente ao suposto furto de energia, é imprescindível o fornecimento de relatório de avaliação técnica ou laudo de vistoria, com acompanhamento da vistoria pelo consumidor. Todavia, este procedimento muitas vezes não é cumprido pela companhia de energia, o que torna a cobrança indevida.
Nesse sentido, destacamos entendimentos proferidos em casos análogos julgados por nossos Egrégios Tribunais, ratificando a importância dos procedimentos legais:
APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO COMBINADA COM DANOS MORAIS – CONSTATAÇÃO DE IRREGULARIDADE NO MEDIDOR DE ENERGIA ELÉTRICA – FATURA DE RECUPERAÇÃO DE CONSUMO – CORTE NO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA – INOBSERVÂNCIA ÀS REGRAS CONTIDAS NA RESOLUÇÃO N.º 414 DE 2010 DA ANEEL – COBRANÇA INDEVIDA – DECLARAÇÃO DE INEXISTÊNCIA DO DÉBITO – DANOS MORAIS CONFIGURADOS – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO DESPROVIDO. Processo administrativo de recuperação de consumo de energia elétrica que não atendeu aos princípios do contraditório e da ampla defesa, restando configurado vício apto a justificar desconstituição, nos termos da Resolução n.º 414 de 2010 da ANEEL. Não deve ser admitida a cobrança de recuperação de consumo de energia elétrica apuradas de forma unilateral pela concessionária e sem base nas ocorrências que afirma ter constatado, porque não obedecidos os procedimentos legais, tendo em vista a ausência de perícia técnica conclusiva ou relatório de avaliação técnica. Comprovado nos autos o irregular corte no fornecimento de energia elétrica procedido pela concessionária, sem prévia notificação do consumidor, o dano afigura-se in re ipsa, ou seja, decorre do próprio fato, sendo, pois, presumido.
(TJ-MT 10020915920208110003 MT, Relator: SEBASTIAO BARBOSA FARIAS, Data de Julgamento: 07/12/2021, Primeira Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 09/12/2021)
ENERGIA ELETRICA. AÇÃO DECLARATÓRIA. INEXISTÊNCIA DE DÉBITO. ENERGISA. RECUPERAÇÃO DE CONSUMO. UNILATERALIDADE DA PROVA. DESCONSTITUIÇÃO DO DÉBITO. APELO NÃO PROVIDO. Embora possível que a concessionária de serviço público apure a recuperação de consumo de energia elétrica em razão de supostas inconsistências no consumo pretérito, é necessário que comprove o cumprimento rigoroso dos procedimentos normativos da ANEEL, sob pena de desconstituição do débito apurado.
(TJ-RO – AC: 70005331020218220002 RO 7000533-10.2021.822.0002, Data de Julgamento: 27/10/2021)
Indenização por dano moral
Inclusive, nossos Egrégios Tribunais entendem que, no caso de cobrança indevida de “recuperação de energia”, sem fornecimento de laudo técnico ou demonstração da irregularidade, há caracterização de danos morais. Isto porque a recuperação de energia pressupõe o furto de energia, ou seja, há imputação de crime ao consumidor.
APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXIGIBILIDADE DE DÉBITO. CONCESSIONÁRIA DE ENERGIA ELÉTRICA. RECUPERAÇÃO DE CONSUMO NÃO FATURADO. DESVIO DE ENERGIA NO RAMAL DE LIGAÇÃO. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DA IRREGULARIDADE. INSUFICIÊNCIA DE LASTRO PROBATÓRIO. ÔNUS DA CONCESSIONÁRIA. COBRANÇA INDEVIDA. DANOS MORAIS CONFIGURADOS. QUANTUM MANTIDO. PRECEDENTES DESTE TRIBUNAL. SENTENÇA MANTIDA. – Nos termos do art. 6.º, VIII, do CDC, é da concessionária de serviços o ônus de provar a regularidade das medições, bem como das cobranças. No caso, a concessionária de energia elétrica se valeu exclusivamente do Termo de Ocorrência de Irregularidade – TOI para imputar à Apelada conduta ilícita, documento este produzido de forma unilateral e não corroborado por outras provas, não servindo, por conseguinte, de suporte para cobrança de dívida resultante de acerto de faturamento de energia consumida e não faturada, principalmente quando ausentes a realização de perícia e a participação do usuário na apuração técnica da irregularidade apontada; – A responsabilidade objetiva não depende de prova de culpa, nos termos do artigo 37, § 6.º, da Constituição Federal e do artigo 14, caput, do Código de Defesa Consumidor, exigindo apenas a existência do prejuízo, autoria e o nexo causal para a configuração do dever de indenizar. O caso concreto apresenta situações que ultrapassam o mero aborrecimento, tendo a falha na prestação do serviço gerado irregularidade na cobrança, o que certamente trouxe à Recorrente abalos psicológicos, sendo devida reparação por danos morais;
(TJ-AM – AC: 06815212920208040001 AM 0681521-29.2020.8.04.0001, Relator: Abraham Peixoto Campos Filho, Data de Julgamento: 06/10/2021, Terceira Câmara Cível, Data de Publicação: 06/10/2021).
Legislação Consumerista sobre recuperação de energia
Nesse sentido, a companhia responsável pelo fornecimento de energia elétrica responde objetivamente pelos danos causados aos consumidores, nos termos do artigo 37, § 6º, da Constituição Federal e do artigo 14 do CDC.
A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: § 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
Art. 37/CF
O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. § 1° O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais: I – o modo de seu fornecimento; II – o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam; III – a época em que foi fornecido.
Art. 14/CDC
Dessa forma, havendo cobrança de “resgate de energia” o consumidor precisa se recordar se acompanhou a vistoria da companhia, bem como se recebeu laudo técnico. Referido laudo deve conter a conclusão de que houve furto de energia. Se a companhia não obedeceu a esses procedimentos, é possível declarar indevida a cobrança, até mesmo com condenação em indenização por danos morais.
DR. BRUNO PETILLO DE CASTRO BOSCATTI
OAB/SP 472.046
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